quarta-feira, 22 de abril de 2020

... (II)

Queria que recolhesse ao seu cantinho dentro do peito, de onde não deveria ter-se soltado. Queria poder voltar a trás e nunca ter permitido que se expressasse, que nunca mostrasse a sua existência, mesmo que tivessem sido só percebidos laivos, sombras, pequenas insinuações de presença. Foi-se soltando de mansinho, em silenciosos passinhos que só consegui travar quando, pela minha inércia, começaram a ecoar. Não podendo retroceder no tempo, queria poder retroceder o trajeto que percorreu e deixa-lo descansado e tranquilo no pequeno lugar onde o confinei durante sempre. Convivemos, vivemos e sobrevivemos os dois, assim, por anos... Eu e este apontamento, esta pequena grande panóplia de sensações, ao qual nunca me atrevi de reconhecer como sentimento.
Mas as gotinhas que escaparam e derramaram, ganharam vontade de ser mar, e na imensidão em que se acreditam, reduzi-las e tranca-las revela-se numa tarefa que exige muito mais além da coragem, da força e da vontade. Exige algo que não sei o que é, não sei como cumprir.
A verdade é que esta inquietude que sempre me habitou, mas que dominava e domava, sempre se quis fazer entender como um desígnio, como um sinal, como uma peça solta de um puzzle final. Eu... sempre a quis ver como um pequeno delírio, um escape mental que visitava algumas vezes. Podia, assim, entrar numa outra dimensão, à minha medida quase, e viver uma vida paralela, só por fechar os olhos... Mas quando os abria, a portinha do cantinho fechava-se, tudo ficava em silencio e tranquilo até à próxima visita.

2 comentários:

  1. "A verdade é que esta inquietude que sempre me habitou, mas que dominava e domava, sempre se quis fazer entender como um desígnio, como um sinal, como uma peça solta de um puzzle final". regresso em grande forma, minha amiga! fico ansioso por mais...

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  2. muito obrigada meu bom amigo! Sempre a invejar-te!

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